• De teatro de guerra à Campeã da Paz


    Angola comemora, este domingo, o 63.º aniversário do início da luta armada de libertação nacional, numa altura em que acaba de conquistar espaço próprio como garante da paz continental.

    Já lá vão dois anos, desde que a efeméride é celebrada na “ressaca” das festividades do Dia Africano da Paz e Reconciliação, que se assinala a 31 de Janeiro de cada ano, como momento de reflexão sobre a situação de paz e segurança em África.

    A data foi instituída em 2022, juntamente com a designação do Chefe de Estado angolano, João Lourenço, como “Campeão da União Africana para a Paz e Reconciliação em África” e medianeiro no conflito entre a RDC e o Rwanda.     

    A passagem de mais um dia de reflexão sobre as questões de paz e segurança, em África, a 31 de Janeiro, reavivou os testemunhos de que Angola se transformou, definitivamente, numa referência obrigatória nessa matéria.

    Pela segunda vez, o Chefe de Estado angolano dirigiu-se ao continente africano na sua qualidade de Campeão da União Africana para Paz e Reconciliação.

    João Lourenço falou para o continente inteiro, a partir de Luanda, por via de uma reunião virtual do Conselho de Paz e Segurança (CPS) da UA.

    A sua primeira intervenção do género foi há precisamente um ano, quando inaugurou a efeméride do 31 de Janeiro, institucionalizada pela União Africana (UA), em 28 de Maio de 2022.

    Nas duas ocasiões, a sua tónica dominante foi o convite aos povos africanos e suas lideranças para privilegiarem os meios pacíficos na resolução de conflitos, e punir severamente as mudanças inconstitucionais de governos.

    Com efeito, o 31 de Janeiro entrou este ano na sua segunda edição como marco  da Década Madiba Nelson Mandela de Reconciliação em África.

    Percurso de resiliência e resistência

    Depois de enfrentar guerras prolongadas, a começar  pela da Independência, iniciada, a 4 de Fevereiro de 1961, até aos subsequentes ciclos de sangrentas confrontações internas que pareciam intermináveis, o país começa a fazer história como ente pacificador.

    Passou a ser chamado a intervir em processos de pacificação e reconciliação de outras nações ou povos desavindos, tanto a nível intra como inter-estadual, com direito à palavra e quiçá ao voto qualificado na equação de conflitos.

    É um percurso que descreve a metamorfose de uma Nação resiliente e resistente que consentiu sacrifícios e venceu obstáculos para se transformar em factor de estabilidade.

    Para instituir a efeméride do 31 de Janeiro e o título de João Lourenço como Campeão da Paz e Reconciliação, a União Africana invocou a “extrema importância” de construir sociedades resilientes, coesão, unidade nacional e cooperação regional, como alicerce para uma paz duradoura.

    Por seu turno, o mandato de mediação entre a RDC e o Rwanda tem por objecto restabelecer o diálogo e normalizar as relações entre os dois vizinhos da África Central que andam de costas viradas.

    Foi conferido a João Lourenço, na sua qualidade de presidente em exercício da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos (CIRGL), integrada por  12 países, incluindo o Rwanda e a RDC (República Democrática do Congo).

    Desde então, a capital angolana é palco de constantes movimentações diplomáticas, com entradas e saídas de representantes estrangeiros a vários níveis, enquanto delegações angolanas percorrem o continente regularmente.

    Para a opinião predominante, é cada vez mais líquido que o país se converteu numa passagem incontornável para os caminhos da busca da paz, no continente.

    Como diriam, a propósito, alguns analistas políticos nacionais, Angola tem sido, nos últimos anos, “uma placa giratória de concertações políticas”, no continente africano

    Provas dadas de protagonismo

    Contrariamente às aparências, os mandatos conferidos pela UA ao Chefe de Estado angolano não surgiram do nada, a julgar pela fundamentação da decisão.

    A ideia partiu de uma cimeira extraordinária da UA, em Malabo (Guiné Equatorial), consagrada aos flagelos do terrorismo e do extremismo violento e ao fenómeno das mudanças inconstitucionais de governos, em África.

    O encontro, realizado a 28 de Maio de 2022, foi convocado por iniciativa do Chefe de Estado angolano, preocupado com o rumo do continente face ao surgimento de alguns sinais de alarme.

    João Lourenço procurava despertar a liderança africana para a ameaça que a progressão do terrorismo e do extremismo violento, bem como o retorno aos golpes de Estado, representavam para a paz, a segurança e a estabilidade do continente, se nada fosse feito sobre o assunto.

    E os resultados da reunião sustentaram a opinião geral, segundo a qual a decisão foi influenciada pelos antecedentes do protagonismo de João Lourenço, sobretudo na região dos Grandes Lagos.

    Ou seja, longe de ser um mero exercício formal, a decisão foi um reconhecimento material de todo um acervo de provas dadas por João Lourenço como figura incontornável nos esforços de pacificação do continente berço da humanidade.

    Depois de anos de tensão diplomática que quase descambou numa declaração de guerra, o Rwanda e o Uganda, dois países vizinhos e antigos aliados que viraram inimigos viscerais,  estão hoje reconciliados, muito por causa da obra de João Lourenço.

    Chegado ao poder em 2017, João Lourenço elegeu como prioridade a reactivação da então moribunda CIRGL, enquanto mecanismo regional de resolução de conflitos.

    As acções diplomáticas que se seguiram foram cruciais para reaproximar os dois vizinhos desavindos até assinarem, dois anos mais tarde (2019), um memorando de entendimento sobre a normalização das relações entre os dois países.

    Esse instrumento jurídico vigora até hoje, a caminho do seu quinto ano de existência.

    Na crise entre a RDC e o Rwanda, que se acusam mutuamente de apoiar e armar movimentos rebeldes contra um e outro, a mediação de Angola tem o mérito também de ter evitado a eclosão de uma confrontação militar directa entre ambos.

    Dentro do território congolês, os esforços diplomáticos de Angola permitiram travar, à tangente, a tomada da estratégica cidade de Goma pelos rebeldes do Movimento de 23 de Março (M23).

    Até Novembro de 2022, estes últimos estavam às portas dessa cidade capital da província do Kivu-Norte, no leste da RDC, quando a intervenção de Angola, em nome da União Africana, interrompeu definitivamente a sua progressão.

    Depois de resistências iniciais para depor as armas, no quadro de um plano de paz acordado por líderes regionais, na capital angolana, a liderança política do M23 acabou, finalmente, por ceder.

    João Lourenço chegou a receber, em Luanda, a chefia do M23, que, mais tarde viria a aceitar um acordo de cessar-fogo que vigora até hoje.

    Com todo este protagonismo, não restam dúvidas de que Angola transitou, efectivamente, de um histórico teatro de guerra para um verdadeiro factor de estabilidade regional, que justifica o estatuto atribuído ao seu Chefe de Estado de «Campeão da Paz »