A República de Angola celebra, este sábado (11), 48 anos de soberania e afirmação, marcados por avanços significativos no domínio político e diplomático, que têm tornado o país um exemplo em África no quesito da resolução de conflitos.
Por Adérito Ferreira, jornalista da ANGOP
Quando alcançou a Independência, em Novembro de 1975, a proclamada República Popular de Angola propôs-se continuar a lutar pela integridade territorial e abrir-se ao mundo para relações políticas e económicas, bem como à cooperação internacional.
Desde já, o texto da proclamação da independência alertava que o novo Estado somente aceitaria a cooperação internacional sob o pressuposto indiscutível de que “a chamada ajuda externa” não podia ser nem condicionada nem condicionante, devendo as relações internacionais cingir-se ao princípio da reciprocidade de vantagens.
O documento aclarava que a novel República trataria, com especial atenção, as relações com Portugal numa base nova, despida de qualquer vestígio colonial e o contencioso seria abordado com suficiente serenidade, de modo a não envenenar as relações futuras.
“Mais uma vez deixamos aqui expresso que a nossa luta não foi, nem nunca será, contra o povo português. Pelo contrário, a partir de agora, poderemos cimentar ligações fraternas entre dois povos que têm de comum laços históricos, linguísticos e o mesmo objectivo: a liberdade”, lê-se no texto da proclamação.
A luta pela autodeterminação começou a ser forjada entre finais dos séculos XV e XVI face aos interesses portugueses de conquistar o território que conforma hoje Angola, organizado, na época, em reinos como do Congo, do Ndongo, da Matamba, do Bailundo e Kwanhama, habitados e chefiados por autóctenes.
Essas batalhas de “Resistência à Penetração e Ocupação Colonial” tiveram a virtude de adiar para 1575 a efectiva colonização, marcada pela chegada de cerca de 100 famílias de colonos e 400 soldados, liderados por Paulo Dias de Novais, fixando-se num local do litoral, fundando a cidade de São Paulo de Loanda, actual Luanda.
Já com a colonização consumada, reforçada com a Conferência de Berlim, que regulou o Direito Internacional Colonial para a ocupação de territórios em África, os nativos recrudesceram as reivindicações pela pertença da sua terra, bem como a luta contra o tratamento sub-humano que recebiam.
Por exemplo, já no século XX, aconteceu a Revolta da Baixa de Cassanje, em Malanje, a 4 de Janeiro de 1961, quando, cansados do trabalho forçado e de todo o tipo de sevícias a que eram submetidos, os camponeses paralisaram o cultivo dos campos de algodão e munidos de armas artesanais sublevaram-se.
Este acto resultou num brutal massacre, incluindo bombardeamentos da aviação portuguesa com um saldo de milhares de mortes, de acordo com diferentes fontes.
No mesmo sentido, a 4 de Fevereiro ocorreu, em Luanda, o que ficou catalogado como “Início da Luta Armada”, considerado um dos primeiros confronto reais ao poder colonial, caracterizado pelo assalto a cadeias para libertar presos políticos que nutriam ideais nacionalistas e independentistas.
Uma terceira revolta, tida como “Expansão da Luta Armada de Libertação Nacional”, igualmente crucial para o desfecho do processo de descolonização, sucedeu ainda no norte, a 15 de Março, com ataques a esquadras policiais, postos administrativos e fazendas de colonos, que, segundo relatos, sofreram consideráveis perdas humanas.
Estas e outras manifestações propiciaram o Acordo de Alvor, em Janeiro de 1975, em Portugal, entre o Governo português, MPLA, UNITA e FNLA que conferia cunho legal à “transição” e ao reconhecimento do Estado português ao direito do povo angolano à soberania.
Reconhecimento do Novo Estado
Os angolanos viram, finalmente, satisfeita a secular apetência pela autodeterminação a 11 de Novembro de 1975, com a Independência Nacional, proclamada, solenemente, pelo líder do MPLA, António Agostinho Neto, empossado, na sequência, como primeiro Presidente de Angola.
O clima permanecia, entretanto, tenso, associado ao panorama internacional, dominado pela guerra fria (com a ex-URSS e EUA a tentarem expandir o seu espaço de influência no mundo), o que não inibiu o rápido reconhecimento, da independência por mais de uma dezena de países, “liderados” pelo Brasil.
O notável gesto da nação sul-americana, então governada por uma ditadura militar, aliada de Portugal, foi seguido, no mesmo dia (11 de Novembro), pela URSS (actual Rússia), Polónia, Bulgária, as antigas Checoslováquia e República Democrática da Alemanha, Moçambique, Argélia, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Congo e Mali.
No dia seguinte (12) fizeram-no a Roménia, Jugoslávia, Hungria, Vietname e Madagáscar, enquanto a República Popular e Democrática da Coreia a 15, Yemen a 17.
Nigéria, Benim e Tanzânia procederam ao reconhecimento da então RPA, nos dias 1, 2 e 6 de Dezembro de 1975, respectivamente.
Portugal, antigo colonizador, reconheceu, formalmente, a então República Popular de Angola e respectivo governo mais de três meses depois, a 22 de Fevereiro de 1976.
Naquele período cerca de 80 países, metade dos quais africanos, reconheceram o governo angolano, o que abriu caminho ao estabelecimento de relações diplomáticas com boa parte de Estados do globo.
Relações Diplomáticas
A Declaração da Proclamação da Independência atestava que a RPA manteria relações diplomáticas “com todos os países do mundo, na base dos princípios de respeito mútuo, da soberania nacional, não ingerência, de respeito pela integridade territorial, não agressão, igualdade e reciprocidade de vantagens e da coexistência pacífica”.
Com estes requisitos firmaram laços diplomáticos com Angola, de imediato, o Brasil, a 12 de Novembro, e Cuba, três dias depois, seguidos por Países Baixos, Nigéria, Itália, Congo, Rússia, Sérvia, Moçambique, RDC, Suécia, Tanzânia, Marrocos, entre outros, nos primeiros dez anos.
Portugal e Angola oficializaram relações diplomáticas a 9 de Março de 1976.
O momento da Proclamação da Independência Nacional foi igualmente aproveitado por Agostinho Neto, Presidente da República, para anunciar a adesão do país, enquanto Estado africano livre e independente, aos princípios da Carta da Unidade Africana e da Carta das Nações Unidas.
O Estado angolano foi reconhecido e admitido na extinta Organização de Unidade Africana (OUA), actual União Africana (UA), a 12 de Fevereiro de 1976, passando a Estado-Membro.
Hoje, há 47 anos no seio da família pan-africana, Angola está entre os seus principais contribuintes financeiros, num universo de 55 Estados-Membros, e assume um papel activo no que concerne às Reformas Institucionais em curso na UA, substituta da OUA, criada em 1963.
Na capital da Etiópia, Addis-Abeba, Angola mantém uma Representação Permanente junto da União Africana, e já foi três vezes eleita para o Conselho de Paz e Segurança (CPS), respectivamente em 2007, 2010 e 2018, cumprindo mandatos de dois anos.
Nas Nações Unidas, desde que foi admitida em Dezembro de 1976, Angola participa na discussão dos mais diversos assuntos internacionais, tendo sido eleita membro não-permanente do Conselho de Segurança, com mandatos de 2003 a 2004 e de 2015 a 2016.
Em Nova Iorque, o país mantém uma Missão Permanente junto das Nações Unidas.
Afirmação internacional
Na verdade, a liberdade do jugo colonial passou, de facto, do sonho à realidade. Todavia, seguiu-se por cerca de 27 anos um conflito armado, com ingerência externa, “interrompido” por um ténue cessar-fogo entre as extintas FAPLA (Governo) e as FALA (UNITA), que possibilitou a realização das primeiras eleições multipartidárias, em Setembro de 1992, abrindo um horizonte de paz entre os angolanos.
O conflito armado foi, de facto, a maior amargura do povo angolano, que mal conseguiu sentir, por muito tempo, o sabor da independência, realidade que condicionou o crescimento do país em todos os sectores, com destaque para o económico e social.
A guerra atrasou, sem dúvidas, o desenvolvimento sustentado de Angola e dos angolanos, que procuram, a todo o custo, consolidar o seu papel na área internacional, aproveitando as experiências da guerra para ajudar a pacificar o continente africano.
Hoje, num Estado democrático e de direito, os angolanos já podem colher o mais precioso fruto da sua resiliência, herdada dos seus ancestrais: a paz.
Com vocação para a solução pacífica dos conflitos internacionais, dentro dos marcos da Carta das Nações Unidas e do Direito Internacional, Angola vem firmando a sua voz em diferentes espaços regionais, continentais, quiçá globais.
Na esfera continental, a sua localização geográfica permite que faça parte das sub-regiões austral e central, daí pertencer à Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e à Comunidade Económica de Estados da África Central (CEEAC).
O Chefe de Estado, João Lourenço, assume desde Agosto a presidência rotativa da SADC para o período 2023-2024, enquanto outro angolano, o embaixador Gilberto Veríssimo, lidera a Comissão da CEEAC desde 2020, num mandato de cinco anos.
No âmbito da defesa da integridade territorial e estabilidade regional, Angola empreende várias acções, como, por exemplo, no domínio da segurança marítima no Golfo da Guiné, localizado no Oceano Atlântico, cujas águas banham mais de mil 600 quilómetros da sua costa.
O “lucro” político ganho com a resolução interna do seu conflito pós-independência, a construção da paz e o muito elogiado espírito de reconciliação nacional conferem carta-branca a Angola para passar a outros a experiência obtida em matéria de prevenção, solução e gestão de crises internas, fronteiriças e externas, com o diálogo no centro.
É com estas valências que a República de Angola, conforme o Chefe de Estado, vai candidatar-se à Presidência da União Africana, em 2025, ano em que festeja 50 anos de Independência Nacional. Trata-se de um novo desafio, que vai pôr à prova a capacidade de resiliência e influência de Angola para a busca de um mundo cada vez mais pacífico.